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Instantes dum inverno

Assembleia alada na floresta nevada

As aves reuniram-se no mais alto e frondoso castanheiro… A densidade era tal… Que a árvore destoava… Na floresta de cúpulas e.. ramarias nevadas… Um ponto escuro e rabugento.. na imensidão da brancura estática… Cada um gorjeava o seu dialecto.. na reunião sem protocolo

A pega com ar brejeiro.. abre a sessão
e o cuco ainda de casaca.. faz de escrivão
a pomba prepara os aparatos para a transmissão
e a rola chama os atrasados para a reunião

No inicio a papaguearia.. mais parecia uma assembleia humana… As aves com assento acomodavam-se naquele dos outros… Que por sua vez se acomodavam nos dos outros.. vagos… Assentos vazios.. talvez os da oposição.. se oposição havia… Até que chegou o falcão e.. como quem não quer a coisa

No galho mais alto pousou
estranhamento o barulho cessou
e a pega pode expor a ordem do dia
“porque é que tanta neve caía”

As opiniões divergiam… Era tudo burburinho.. tudo caramunhas… Os que moravam em ninhos altamente hospedados.. Queixavam-se que as moradias se tinham derrocado.. com o peso da neve… Outros que aninhavam nos baixios.. não mais encontravam a pista para a moradia… Pois a paisagem era invariável planície esbranquiçada.. sem motivo de guia… Tudo isto era uma sinecura… Dizia o chasco.. em aparte com o pintassilgo… Um olhar agudo do falcão... e o burburinho estancou

A andorinha traçava círculos no céu
tentado desvendar o espesso véu
de nuvens carrancudas
bárbaras e abelhudas

A águia voava mais alto do que os seus corredores aéreos tradicionais… Violando assim o espaço que lhe tinham atribuído… Em tempo de crise.. pensou… O contraveio é juízo

Tentando furar um buraco para o sol passar
nem tempo teria para almoçar
também não via mesa posta.. pensou
no chão branco.. a pitança ainda não acordou

De repente.. um pipitar estridente… Fulminou os ares… Captado pelo papagaio.. que o transmitiu ao gaio.. que o levou à pega

O sol no alto rompeu - recebemos mensagem da águia real
o cuco escreve na acta - jornal
assinemos a assembleia o sol reveio
deixemos os trabalhos a meio

Tiras de luz de oiro.. residiam agora nas ramas… E a neve aluía.. o piar era intenso… Mas ninguém mexia… Os olhos postos no cume.. medo do falcão vigilante... Que sentindo o mal estar.. levantou voo no instante… E então.. foi um debandar.. da passarada a cantar... O milagre da floresta… De branca hibernal.. virou loira primavera.

“poéfilo”

Montefrio (Fernando Oliveira)

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